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CAMINHO PARA A CULTURA

Coletivos ganham espaço em comunidades carentes
ISADORA FERNANDES
THAMIRIS GALHARDO

Com a instauração da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida popularmente como Lei Rouanet, diversas críticas quanto à sua natureza foram feitas. Criada em 1991 e sancionada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, a lei concede auxílio a projetos que não precisam de contribuição financeira.

Mesmo bastante procurada, a sequência de diversos casos de favorecimento indevido, no entanto, resultou na abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Congresso Nacional para avaliar os investimentos feitos pela lei.

 

Em 2004, o governo federal também lançou um projeto chamado Cultura Viva, que, dez anos depois, veio a se tornar a Lei nº 13.018, assinada pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que estabeleceu a Política Nacional de Cultura Viva.

 

Criada com o objetivo de desburocratizar os processos de prestação de contas e simplificar o repasse de recursos para as organizações de cultura em todo o país, desde o início do projeto 4.500 pontos de cultura já foram implementados. Tal marca deu destaque ao Cultura Viva como uma das políticas de cultura com maior visibilidade e reconhecimento do Ministério da Cultura, que pretende instalar mais 15 mil pontos até 2020.

Arte: Thamiris Galhardo

Um dos beneficiários do Plano Nacional de Cultura Viva foi o coletivo Sarau na Quebrada, que tem como um de seus representantes Neri Silvestre, 48, agitador cultural.

 

Ele nos contou que a iniciativa começou após convidar uma vizinha, a presidente da associação do bairro onde mora, sua ex-companheira, Glaucia, formada em letras e uma pedagoga para fundarem o coletivo em 2009. “Já tínhamos um projeto de capoeira desde 1989 e descobrimos que, para disputar o edital do projeto, teríamos que existir como instituição e não poderíamos começar do zero. Por falta de informação, não tivemos a possibilidade de nos declarar isentos. Foi então que descobrimos uma dívida de cinco mil reais e então iniciamos os saraus para arrecadar dinheiro”, contou.

 

 

 

 

 

 

Silvestre lembrou também que o primeiro evento que realizaram foi um sarau com noite da pizza.

"Foi no Jardim Santo André para levantar a grana. Foi muito interessante para nós, porque muitas pessoas, lavadeiras, pedreiros, porteiros e donas de casa lavaram suas poesias e foi uma sensação muito louca."

Ainda pouco experientes na questão cultural, o coletivo decidiu sortear barzinhos no bairro para transformar em pequenos centros culturais. “Foi a partir daí que começamos uma intervenção melhor. Chegamos a participar das viradas culturais, projetos para o Sesc, entramos em outros debates e construímos políticas públicas com o Proac”, disse. Com parceria entre aproximadamente mais 20 outros coletivos do estado, o Sarau na Quebrada construiu um Proac em parceria com governo.

 

Um pouco diferente do Sarau e caracterizada como uma política pública do município, está localizada em mais de 11 pontos de São Bernardo do Campo, a Fundação Criança. O projeto, instituído em 1998, atende as normativas da lei do Estatuto da Criança e do Adolescente e tem como objetivo principal, acolher, principalmente, jovens que estão em situação de vulnerabilidade social.

Educação para adolescentes

 

A educadora social do CACJ (Centro de Atendimento à Criança e Jovem) do Parque São Bernardo, Kátia Beraldi, explicou que, de acordo com o plano nacional da assistência social, a Fundação atende dois serviços: o de proteção básica e o de proteção especial.

 

O serviço de proteção especial tem como medidas socioeducativas a casa de acolhimento, liberdade assistida e a prestação de serviço à comunidade. Já a proteção básica, tem um caráter preventivo e faz parte do programa de serviço de convivência e fortalecimento de vínculo, tendo como um dos projetos o próprio CACJ.

 

De acordo com a educadora, cada um dos seis centros de atendimento espalhados pela cidade possui aulas diferentes. De todos eles, o do Parque São Bernardo é o único que atende jovens de 12 a 18 anos, tendo como foco o adolescente. “Antes da reforma – que aconteceu há um ano e meio – eram atendidas crianças. Porém houve um estudo que o maior índice de adolescentes que praticavam atos institucionais era da região e, por isso, optamos por mudar o público-alvo”, disse Kátia.

 

O espaço, repleto de grafites e alto-astral, possui uma sala de leitura, aulas de street dance e até mesmo de circo. Todas gratuitas, necessitando apenas de inscrição.

 

 

 

Uma das atividades que mais chama a atenção e atrai os moradores das redondezas é o Lanchonete Escola. Por meio de uma formação teórica e prática, os jovens de 16 a 21 anos são capacitados para trabalhar como atendente de lanchonete. O curso é regulamentado pelo MEC (Ministério da Educação) e é uma parceria da Fundação com a Secretaria de Educação.

 

Neste ano, o objetivo da Kátia e de todos os profissionais da instituição é ganhar a confiança novamente da população, após o grande período que o CACJ ficou parado para reforma. “Muitas pessoas não sabem que o espaço está aberto. As mães trabalham o dia todo e os filhos ficam em casa. Estamos realizando atividades em escolas e colando cartazes para ‘chamar’ a comunidade novamente”, completou.

 

Conscientização da palavra

 

Ao som do Rap, o coletivo Perifatividade deu início a um sarau em um sábado de muito calor para aquecer ainda mais o debate sobre a PEC 241, que congela por 20  anos investimentos em áreas como Educação e Saúde, além de ocupações de escolas e projetos como o Escola Sem Partido. A roda de conversa mediada por Ana Fonseca e Paulo Rams durou aproximadamente três horas entre estudantes, mestres, membros do coletivo e comunidade.

 

Mas esse tipo de atividade acontece com frequência e com temáticas diferentes. Realizada pelo grupo desde a sua fundação, em 2010, logo após a Copa do Mundo na África do Sul, as conversas rolam em bibliotecas e espaços do bairro do Ipiranga, em São Paulo.

 

Paulo Rams, frequentador de outros saraus, afirmou que decidiu criar o coletivo para unir os amigos que já eram artistas e se reuniam na praça em frente à Casa de Cultura Chico Science para tocar um som e declamar poesias.

 

Através do programa VAI, criado com o objetivo de apoiar financeiramente atividades artístico-culturais, em 2011 e 2012 o coletivo conseguiu obter recursos para conseguir a compra de equipamentos. Pelo Estado de São Paulo, o Perifatividade também venceu os editais do Proac para 2012 e 2013.

 

“Além dos editais que conseguimos, também temos alguns contratos com as bibliotecas da cidade de São Paulo. Temos subsídios da Secretaria Municipal de Cultura e do Sistema Municipal de Bibliotecas para realizarmos os saraus mensalmente. Através deste dinheiro conseguimos chamar alguns artistas para participar das rodas e também usamos para produzir livros, que depois de publicados, alguns exemplares são doados para as bibliotecas também terem um acervo atualizado”, disse Rams.

 

Como semeador de ideias, os saraus também têm a influência de formar um cidadão e transformar o meio de onde ele vive. Ana contou que considera a cultura um dos instrumentos importantes para a emancipação das pessoas.

Foto: Isadora Fernandes

Unidade do Parque São Bernardo é a mais estruturada da cidade

Foto: Isadora Fernandes

Desenhos coloridos e grafites são símbolos do CACJ - Parque São Bernardo

"Nem sempre a escola, por exemplo, é um ambiente que forma. Às vezes ela deforma. É um local de bullying, de brigas, de drogas, de racismo e pode não ser o melhor lugar para a formação do ser humano. Eu mesma me deformei muito na escola, sofri muito racismo."

“O que eu aprendi sobre a vida e sobre como enfrentar esse tipo de situação, foi ouvindo rap, foi a cultura. Por isso acho importante a propagação de conhecimento cultural, porque a educação ainda não chegou nesse patamar de ensinar desta forma.”

 

Liberdade é nossa

 

“Liberdade para decidir sobre o próprio corpo”, esse é um dos lemas da Casa da Lagartixa Preta, coletivo anarquista de Santo André. Criado há 12 anos e formado por 10 pessoas, o espaço tem uma horta comunitária, realiza debates, exibe filmes e faz atividades como oficinas.

 

Para uma das representantes, Helena Barbosa, o objetivo deste coletivo é ser um laboratório anarquista. “Nós estamos acostumados a ler sobre o tema mas não temos onde discutir sobre. A Lagartixa Preta é um lugar onde podemos mostrar que uma sociedade anarquista é possível e acontece.”

 

Um dos últimos eventos realizados foi a Sexta-Feira Libertária. Todos são gratuitos, exceto a Pizzada Vegana, que acontece uma vez por mês e atrai muitas pessoas da região e com as mesmas ideologias.

 

Galeria da Arte Iniciante

 

De iniciativa 100% de seus sócios e proprietários, a OMA Galeria foi criada em 2013 com o objetivo de representar comercialmente artistas iniciantes que precisem de um incentivo cultural e além de somente comercializar suas.

 

“Nosso foco é na representação de artistas. Para eles produzimos mostras tanto na galeria como fora, cuidamos da carreira, de toda a parte comercial dos trabalhos deles, burocracias, logística, tudo, exceto produzir. A responsabilidade do artista representado é apenas entregar as obras prontas. Todo o restante é responsabilidade da OMA Galeria”, Thomaz Pacheco, diretor e fundador galeria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O diretor ainda contou que o projeto já participou de feiras culturais importantes como a ArtRio, uma das maiores feiras de arte da América Latina, que acontece uma vez por ano no Pier Mauá, no Rio de Janeiro, além de coleções em Paris, na Bielorrússia, Alemanha e Polônia.

 

“O objetivo da Galeria é a construção de uma sociedade mais ativa, consciente e participativa das suas ações. Acreditamos que a cultura e as artes visuais são elementos chave para essa construção.”

 

Para Pacheco, a cultura é de extrema importância, já que ele a vê como a identidade das pessoas. “Você só é brasileira por causa da sua cultura, não é uma fronteira, um idioma, isso ou aquilo que determina o que você é, mas um conjunto de fatores que o faz. E esses fatores em sua grande maioria são fatores culturais”, disse.

 

Sobre a aplicação de políticas públicas relacionadas à cultura, o diretor contou que as vê muito distante de um ideal. “Temos uma cidade e uma região muito efervescente no âmbito da cultura e as políticas públicas não acompanham a demanda da população. Muito se foi feito, a citar a própria criação da Secretaria de Cultura, mas ainda estamos muito distantes do ideal.”

 

Segundo o antropólogo britânico, Edward B. Tylor, cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Mas é difícil ver projetos como incentivo a valores tão importantes para formar o caráter de um cidadão, não terem sua valorização e sem o reconhecimento devido ao seu trabalho por parte de autoridades públicas e privadas. É através da música, da arte, da leitura e da dança que uma sociedade é construída, não só de valores morais, mas muito mais de valores culturais.

Foto: Divulgação / OMA

Galeria tem o objetivo de difundir o trabalho de diversos artistas

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