O SUS NA MIRA DE TEMER
Com ajuste fiscal e desemprego, previsões para saúde pública são pessimistas
GIOVANA ALVES
Foto: Rovena Rosa / Agência Paulista

Principal medida fiscal do atual governo, a PEC 55 (241) levou profissionais da saúde às ruas
Depois de perder o convênio do emprego, a estudante Laiane Gonçalves quer evitar os hospitais a todo custo. Isso porque recorrer aos postos de saúde públicos é, quase sempre, sinônimo de estresse. “A espera para ser atendido pode chegar a três horas, sem contar a passagem pela recepção e triagem.”
O problema é que Laiane sofre de bronquite e precisa de tratamento médico com frequência. O caso dela é mais um entre os milhões de brasileiros que passaram a depender do SUS com os cortes de benefícios trabalhistas ou com o desemprego.
A estudante conta que precisou escolher entre manter o emprego de analista de crédito, ou continuar tendo o convênio fornecido pela empresa. “É uma situação totalmente inadequada, mas as vendas estão muito baixas, o financeiro informou que se não cortasse os benefícios, teria que demitir.”
Quem não teve opção de escolher como Laiane entrou para a estatística de 12 milhões de desempregados, 11,8% a mais que em 2015, de acordo com dados de agosto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O contexto resultou em 1,7 milhões de brasileiros migrando dos planos de saúde privados para o SUS entre julho de 2015 e 2016, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Eu fico preocupada porque um sistema que já está sobrecarregado vai receber mais pacientes”, afirmou a estudante. Mas a apreensão não atinge só quem foi demitido.
Uma das medidas carro-chefe do atual governo Michel Temer, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 define um teto de gastos para a saúde que tem causado polêmicas e críticas desde que foi anunciada. A presidência alega tentar resolver problemas fiscais brasileiros por meio da emenda.
O que é a PEC e como ela afeta a saúde?
A PEC 55, que antes era numerada como 241, é uma proposta de emenda constitucional que cria um teto para os gastos públicos por até vinte anos. Assim, as despesas do governo federal serão reajustadas de acordo com a taxa da inflação, o que significa que só haverá aumento de gasto se a inflação estiver mais baixa.
A proposta faz parte da política fiscal do governo Temer, cuja justificativa é conter o déficit (despesa maior que receita) que o Brasil enfrenta atualmente. Se aprovada, a medida passa a valer em 2018, com revisão após 10 anos e possibilidade de prorrogação por mais dez.
Entre os vários setores que a PEC afeta, está a pasta da saúde. Hoje a lei diz que a União deve aplicar uma porcentagem mínima e progressiva da sua receita na pasta. Em 2016, por exemplo, o número de investimento teria que ser 13,2%, aumentando gradativamente a cada ano para alcançar 15% a partir de 2020.
Com a PEC, não existe mais a vinculação do investimento à receita do governo, nem a obrigatoriedade de aplicar um mínimo na saúde. A proposta antecipa o valor de 15% já para 2017, mas o congela pelos próximos 20 anos.
Considerando que o investimento do Brasil na saúde já é menor que o necessário, a pasta pode perder dinheiro em longo prazo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) simulou uma perda de R$ 743 bilhões em 20 anos, caso a medida seja aprovada.
Uma das realizadoras do estudo, Fabíola Sulpino Vieira, apontou que a medida é perigosa pois dá a entender que os gastos com saúde atualmente estão em um número bom, sendo que o Brasil investe 7 vezes menos que os países referência na área.
Os investimentos na saúde também vão diminuir com o Projeto de Lei que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobrás na exploração do pré-sal. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em outubro. De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), o PL deve reduzir a arrecadação do governo e inviabilizar a Lei 12.858 (aprovada por Dilma Rousseff), que destina 75% dos royalties do petróleo para financiar a educação e 25% para a saúde.
Além disso, o atual ministro da Saúde Ricardo Barros deu sinais de revisão do SUS quando falou da impossibilidade de o país continuar sustentando os direitos que a constituição garante.
Andamento da PEC
O texto já passou pela primeira sessão de discussão no plenário do Senado. Agora restam mais quatro sessões de debates antes da votação em primeiro turno, que está marcada para o dia 29 de novembro.
Caso seja aprovada, a matéria passará por mais três sessões de discussão antes da votação em segundo turno, prevista para o dia 13 de dezembro. A expectativa é que a proposta seja publicada até dia 15 de dezembro.
Entidades médicas
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde divulgou uma nota de repúdio afirmando que congelar gastos significa sucatear o SUS, privatizar o sistema e piorar as condições de vida da população brasileira. Além disso, a entidade definiu a medida como parte de um programa econômico ultraliberal, um ataque à Constituição que se apoia na ideologia do estado mínimo: “o problema é o tamanho do SUS e as vinculações constitucionais, isto é, a democratização do acesso à saúde pública. Em compensação não há medidas para penalizar os mais ricos, diminuir as desonerações fiscais dos empresários ou para reduzir os juros. ”
Crise de subfinanciamento
A PEC pode piorar a situação do SUS, mas os problemas do sistema existem há pelo menos oito anos. Entre os momentos mais emblemáticos que afetaram a saúde pública brasileira, está o fim da cobrança da Contribuição Provisória para a Movimentação Financeira (CPMF) em 2007.
A medida atingiu a saúde em cheio, já que o imposto existia para cobrir gastos com projetos do setor. Estimativas calculam uma perda de R$ 24 milhões entre 2008 e 2012.
O primeiro mandato de Dilma Rousseff, cujo início foi em 2011, sentiu na pele as dificuldades que a extinção da Contribuição ocasionou. O sistema já passava por colapso no seu esquema de financiamento.
Somado ao déficit de R$ 17,2 bilhões nas contas públicas de 2014, pior resultado desde 1997, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou um levantamento mostrando que a União deixou de aplicar R$ 131 bilhões na saúde desde 2003.
Os dados foram apurados por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAF). Em 2014 mesmo, o governo tinha cerca de R$ 107, 4 bilhões disponíveis para o gasto com o setor, mas utilizou apenas R$ 80 bilhões.
O economista do Instituto de Tecnologia Mauá, Ricardo Balistiero, explica que a PEC é necessária por conta dos resultados do primeiro mandato Dilma. “É importante limitar os gastos fiscais numa situação como a do Brasil. A medida precisaria ser tomada por qualquer pessoa que estivesse governando atualmente.”
Por outro lado, o profissional também critica a inflexibilidade das condições da PEC. Para ele, o governo se desesperou em dar uma resposta positiva ao mercado e esqueceu de avaliar os estragos que dez anos podem fazer no aspecto social. “Os limites estabelecidos não vão acompanhar o crescimento populacional de 0,8% ao ano. Somado ao desemprego e à crise, isso vai significar precarização do SUS”.
Uma possível solução seria acrescentar uma taxa além da inflação para calcular a porcentagem de gastos. “Uma combinação entre taxa de crescimento da população e inflação daria uma folga bem maior pro serviço público e não comprometeria o ajuste".
Arte: Giovana Alves

Arte: Giovana Alves

"Eu fico preocupada porque um sistema que já está sobrecarregado vai receber mais pacientes."
A aposentada Vera Lúcia de Souza usa o SUS há mais de dez anos e sempre achou o sistema satisfatório. As declarações recentes do governo, porém, causam desconforto. “Acho um absurdo dizerem que vão destinar menos verba ao setor, mas não tem o que fazer, vamos enfrentando. ”
Foto: Edson Lopes JR / A2AD

O Fundo Monetário Mundial (FMI) prevê que o desemprego vá continuar aumentando em 2017
Foto: Giovana Alves

Vera Lúcia de Souza, aposentada e totalmente dependente do SUS
Arte: Giovana Alves
