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DO INVESTIMENTO AO OURO

Bolsa Atleta mostra sua importância ao ajudar com despesas, mas atrasos no pagamento causam dúvidas
PEDRO GIORDAN
VICTOR GODOI

Os 11 metros que separam a marca do pênalti do gol histórico, os últimos 50 metros de prova, um último movimento. Ser como Neymar, César Cielo, Diego Hypólito e outros tantos esportistas famosos é o sonho de muitos na infância. Existem aqueles que seguem outras áreas e outros que se dedicam desde cedo para tornar esse sonho uma realidade.

Essa caminhada, na maioria dos casos, não é nem um pouco fácil. Muitas vezes elas enfrentam desafios bem maiores do que o da própria prática esportiva. Desafios como locomoção, alimentação e equipamento necessário para o treino são comuns para quem tenta ser um atleta de elite.

Com o objetivo de ajudar esses esportistas a conseguirem pagar suas despesas, desde 2005 o Ministério do Esporte mantém o Bolsa Atleta. Esse programa é dividido em cinco categorias – Base, Estudantil, Nacional, Internacional e Olímpico – e paga para os atletas contemplados valores que variam de acordo com sua categoria e desempenho nas competições.

De 2005 até 2016, o programa investiu mais de R$ 897 milhões no pagamento dos benefícios. Nesse período, o número de atletas contemplados foi multiplicado. No primeiro ano, o programa beneficiou 924 esportistas, enquanto em 2016 o número chegou a 20,7 mil beneficiados com 51 mil bolsas.

Para o diretor técnico da Confederação Brasileira de Tênis, Paulo Moriguti, é de total importância que exista esse benefício, uma vez que ele não abrange os somente atletas de nível profissional. “Isso é um acréscimo para esses atletas que possam, enfim, amenizar os custos que a gente sabe que qualquer modalidade tem.”

Em 2015, o governo federal investiu uma quantia de cerca de R$ 143 mil no programa. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, disputados neste ano, 80% da delegação brasileira era formada por atletas inscritos no Bolsa Atleta, enquanto nas modalidades paraolímpicas esse número foi ainda maior, de 90%.

 

Embora o número pareça ser pequeno, considerando o número de competidores brasileiros, os repasses são de grande importância para grande parte dos beneficiados e esse resultado fica evidente pelo desempenho dos atletas. Na edição de 2016 das Olimpíadas, o Brasil bateu o recorde com 19 ouros na competição. Ao todo foram 19 medalhas, duas a mais que em Londres, quando o país subiu 17 vezes ao primeiro lugar do pódio.

 

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Uma dessas histórias de pessoas contempladas pelo programa é a de Vinícius Tranchezzi, de 23 anos. Hoje ele é goleiro da Associação de Pais e Amigos e Deficientes Visuais de São Bernardo, além de também atuar pela seleção brasileira de futebol de cinco, uma modalidade adaptada para atletas que não enxergam.

 

O início da carreira no esporte para Vinícius, no entanto, não foi fácil. Desde a infância, o jogador decidiu se dedicar aos estudos, mas quando completou 15 anos, foi convidado por um professor a conhecer o futebol de cinco.

 

Além de jogar, Vinícius também é formado em Administração com pós-graduação em Marketing Esportivo, o que mostra a determinação em não depender somente do esporte. ”Fiz minha faculdade, fiz a pós-graduação e posso dizer que boa parte do salário que eu ganho (Bolsa Atleta e patrocínios) pagaram meus estudos porque, querendo ou não, qualquer lesão pode te tirar, ainda mais no paradesporto, que é muito mais complicado ganhar alguma coisa”, conta Vinícius.

Arte: Larissa Ferreira

Foto: Victor Godoi

Beneficiário do Bolsa Atleta e goleiro da seleção brasileira de Futebol de Cinco, Vinícius Tranchezzi conquistou a medalha de ouro nas últimas Olimpíadas

Vida resolvida com os estudos, o goleiro da seleção brasileira também é grato por uma grande conquista. Vinícius acaba de ganhar a medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos, disputados no último mês de setembro, na cidade do Rio de Janeiro.

Um momento que, para o atleta, pode ser comparado à vitória de uma Copa do Mundo. “A gente vê que muitos acompanharam e fico feliz que, graças a esse esporte, conquistei o sonho de ser profissional. Hoje eu vivo disso, então posso falar que eu consegui chegar onde eu queria chegar, mesmo não sendo o convencional”, comemora Vinícius.

 

Apesar do sucesso, a estrada para o jovem esportista ainda é longa. Por enquanto Vinícius ainda está na categoria Internacional, para atletas que já participaram de alguma competição considerada desse nível, mas com a conquista da medalha de ouro nos últimos jogos, ele já está migrando para a categoria Olímpica.

 

Com a elevação de categoria, o goleiro vai passar a receber mais dinheiro pelo Bolsa Atleta. Segundo o Ministério dos Esportes, o valor do repasse vai passar de R$ 1.800 para R$ 3.100.

 

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Ao ver a filha completar 11 anos, Heloísa Galacho Ramos percebeu que as roupas da pequena Raphaela Galacho estavam ficando tortas. Diante dessa situação, Heloísa levou a filha ao ortopedista, que a diagnosticou com um grau elevado de escoliose – uma anormalidade no encurvamento na coluna vertebral.

O tratamento do problema poderia ser feito de duas formas: com sessões de RPG (Reeducação Postural Global) ou com a prática de esportes como Natação e Taekwondo.

 

A escolha inicial foi pela natação, mas com o passar do tempo Raphaela viu que não gostava de nadar. Foi aí que a futura lutadora optou pelo Taekwondo. “Eu fui praticamente um ano obrigada pelos meus pais, porque também não gostava muito. Fui participando de pequenos campeonatos e fui começando a gostar e hoje se tornou o meu trabalho e praticamente minha vida”, diz Raphaela.

 

Hoje a lutadora representa a equipe da modalidade na cidade de São Caetano do Sul e já conquistou resultados importantes em diversas competições internacionais, entre eles o bronze nos Jogos Pan-Americanos na cidade de Toronto na categoria +67kg ano passado ao vencer a canadense Nathalia Iliesco.

Foto: Reprodução / Facebook

Além do benefício do governo, Raphaella recebe também patrocínio do programa de atletas de alto rendimento das Forças Armadas

Natural de Santos, no litoral Sul paulista, Raphaela é beneficiária do Bolsa Atleta desde o começo da carreira e agora está na categoria Pódio, uma categoria especial do programa do governo que exige que o atleta esteja entre os 20 melhores do mundo de seu esporte. “Eu acredito que elas (bolsas para atletas)  são de extrema importância. Minha primeira ajuda financeira foi o Bolsa Atleta do governo federal e desde então sigo com ela e ela me ajuda bastante com viagens, no transporte diário, na alimentação, ou seja, em tudo”, conta. Os valores da categoria Pódio variam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil.

 

Raphaela ainda faz parte do programa das Forças Armadas para atletas de alto rendimento, que, assim como o Bolsa Atleta, depende dos resultados obtidos dentro das competições nacionais e internacionais.

 

Atletas como Raphaela, entretanto, nem sempre podem contar com a precisão do poder público na hora de depositar as bolsas na conta dos atletas. Nos últimos anos ocorreram vários casos de atrasos no pagamento e a incerteza decorrente disso, junto à falta de informação por parte dos responsáveis, vem causando dúvidas nos atletas. “Eu tenho bolsa para receber referente ao Pan-Americano do ano passado. Não sei o que está rolando. Não tem pra quem a gente ligar e perguntar se está tudo certo. Não temos uma resposta definitiva, mas espero que esteja certo mesmo”, lamenta Raphaela.

 

Para a atleta, esses atrasos prejudicam tanto o crescimento do esporte no país, tanto na vida dos próprios atletas e cita o desânimo que as incertezas quanto à garantia do repasse.

 

Problemas com atraso do Bolsa Atleta já nem são mais novidade para os esportistas. Desde 2013 o governo demora para entregar o benefício e no ano passado os atletas já tiveram problemas com atraso do pagamento.

No caso, o Ministério do Esporte demorou cerca de dois meses para a divulgação dos atletas contemplados com relação aos resultados de 2014, entregando a lista apenas na primeira semana de agosto. A lista oficial dos contemplados normalmente sai nos primeiros dias do mês de julho.

 

Contudo o impasse com relação a algum tipo de patrocínio não é exclusivo dos atletas. As confederações de diversas modalidades sofrem com a perda de um de seus maiores patrocínios, a dos Correios, que, assim como muitas empresas no país, passam por uma crise. Os cortes já acontecem na CBT (Confederação Brasileira de Tênis), como na diminuição de sua folha salarial e na retirada de alguns torneios nacionais da modalidade.

 

Paulo Moriguti afirma que espera a renovação do contrato para saber do futuro da confederação. “A gente não tem a confirmação dos Correios. Não foi acertado nada ainda. Como não temos o orçamento de 2017, vou ter que aguardar esse orçamento, que no ano passado foi de R$ 3,25 milhões. Hoje eu não sei o que nós vamos ter para o ano que vem”, critica Moriguti.

 

Investimento no esporte para ter um bom desempenho em competições é uma exclusividade do Brasil? Errado. Em muitos os países eles levam tão a sério que os esportes são estimulados desde cedo.

 

Em países como China, Alemanha e Estados Unidos, por exemplo, o governo investe pesado em centros de treinamentos modernos para atletas de todas as idades. Na terra do Tio Sam, até universidades oferecem bolsas de estudo de acordo com seu desempenho nos esportes. A NBA, a principal liga estadunidense de basquete, e a NFL, a liga nacional de futebol americano, estão recheadas de jovens talentos que recebem essa bolsa e sempre vemos esses países no topo do ranking de medalhas em várias competições pelo mundo.

Resta saber se todo esse investimento feito nas Olimpíadas Rio 2016 trarão frutos ou foi só um investimento momentâneo, deixando nossos atletas sem qualquer apoio para poder brilhar em seus respectivos esportes.

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