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Foto: Caroline Gibin

FORTE E CORAJOSA COMO A "LEI MARIA DA PENHA"

A história de uma mulher que dedicou a vida a projetos voltados para os catadores de materiais recicláveis

CAROLINE GIBIN

CAROLINE GIBIN

Me encontrei com Maria da Penha Guimarães, na sua casa em Mauá, no ABC paulista, para irmos conhecer a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis Coopercata, um dos muitos projetos em que ela se dedicou na sua vida. Ainda um pouco tímida, provavelmente por não me conhecer muito bem, a catadora de 58 anos entrou no carro, me cumprimentou e disse ao motorista que nos levaria até a Cooperativa por um caminho mais fácil que ela conhecia.

A timidez, no entanto, não durou muito. Depois de algumas trocas de palavras para esclarecer a ela o objetivo da minha visita, Maria já me contava sua vida e a relação que têm com as Cooperativas do ABC.

 

Em 20 minutos chegamos ao nosso destino. Um galpão em uma rua quase deserta, sem nenhuma sinalização de que ali funcionava uma Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis. Não fosse por Maria, é quase certo de que me perderia até encontrar o lugar.

 

Entramos e fomos ao encontro da atual presidente, a dona Ana, onde começamos a conversar sobre a trajetória de Maria.

 

Viúva, mãe de três filhos e avó de quatro netos, Maria da Penha é uma das poucas pessoas que faz juz ao termo “porreta”. Nascida na cidade de Penha, a catadora sempre morou em São Paulo e, há 35 anos, se mudou para Mauá quando se casou.

 

Mesmo sem nunca ter ouvido falar de cooperativas, nessa época começou a recolher latinhas pelo bairro e vender para o ferro velho, quando entrou em contato com a primeira organização que conheceu na capital paulista. Foi aí que Maria percebeu que precisava trazer essa ideia para Mauá.

 

No início foi uma luta para conseguir apoio e parceiros e à época, em 1986, nem a Secretaria do Meio Ambiente acreditava no conceito de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis.

 

Houve um único secretário que apostou em Maria e comprou essa briga com ela e, ao todo, foram quatro anos para conseguir tirar o projeto de uma Cooperativa do Papel. Durante esse período, muitos catadores que Maria havia reunido para abrir a cooperativa acabaram desistindo do projeto e ela teve que procurar por outros diversas vezes.

 

Quando o projeto foi finalmente criado, Maria convenceu 20 pessoas de que a cooperativa seria uma boa fonte de trabalho para aqueles catadores de materiais recicláveis da rua. O trabalho consistia em basicamente fazer a coleta de vários quilos e vender os itens a empresas que transformam os materiais em matéria prima ou em outros produtos utilizando os recicláveis, uma vez que a Prefeitura não realizava nenhum tipo de política pública nesse viés e as remunerações eram baixas.

 

Foi assim que surgiu a Cooperma (Cooperativa de Trabalho dos Profissionais em Reciclagem de Materiais de Mauá), em 2004.

 

Durante seis anos Maria foi presidente da organização e uma das poucas parcerias da cooperativa – com a Braskem –, ela conseguiu sozinha, sem nenhum apoio da administração do município. “Já que a Prefeitura não olha para nós, temos que fazer algo sozinhos para tentar melhorar a situação.”

 

A Coopcent ABC, a primeira cooperativa de segundo grau do estado de São Paulo que surgiu em 2007, também está na lista de locais nos quais Maria já trabalhou. A cooperativa é uma união de três já existentes, a Cooperma, a Cooperpires, de Ribeirão Pires e a Cooperlimpa, de Diadema.

 

A trabalhadora ficou lá por três anos como tesoureira, mas além de tomar da parte financeira da empresa, Maria também participou do processo de formação dos catadores, buscava essas pessoas para conhecer como funciona uma cooperativa e os benefícios que ela trazia para os cooperados, como condições melhores de trabalho e segurança na hora de colocar a mão na massa.

 

Por meio de uma verba conseguida pela Coopcent foi fundada também a Coopercata, no bairro Capuava, em Mauá, o que viria a ser o lugar que eu conversava com Maria. Por seis meses ela foi líder da cooperativa, trazendo e acompanhando os projetos.

 

Durante nosso bate papo, a catadora enfatizou que um dos movimentos mais importantes para os catadores e as cooperativas é o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que busca a valorização e independência desses profissionais. “Catador é uma profissão sabe? As pessoas tem que entender isso. O pessoal se orgulha de ser catador.”

Além de não terem políticas públicas voltadas para os catadores, Maria desabafa que uma das poucas propostas do poder público é a incineração do lixo, o que destrói toda a matéria prima que os catadores usam para poder trabalhar. “Tá abafado um pouco, mas eles querem fazer incinerador... os materiais vão ser destruídos”, lamentou a Maria. “Nós lutamos. Fizemos passeata em Mauá, em Brasília, em São Bernardo. Estamos lutando.”

 

Durante todos esses anos em que se envolveu com os catadores e cooperativas, Maria lutou para que cada um tivesse condições mais dignas de trabalho, conquistasse seu espaço e não ficassem dependentes de projetos feitos somente pela Prefeitura.

 

Uma história que Maria mais se orgulha de contar foi quando o marido de uma colega sua não a deixava trabalhar. Com um grande sorriso no rosto, a catadora explicou que conseguiu que a colega fosse conhecer a cooperativa, atitude que mudou a vida dessa nova cooperada e possibilitou a independência que ela tanto procurava. “Ela nunca saia de dentro de casa, só escondido. Quando entrou na Cooperma ela evoluiu muito”.

 

Apesar de não participar mais ativamente de nenhuma cooperativa há dois anos, Maria sabe que esse trabalho está longe de acabar. Pela internet ela ainda acompanha a movimentação dos lugares que trabalhou e do MNCR e vê que ainda existem muitos pontos para serem melhorados, desde apoio aos catadores até locais mais bem estruturados para receber as Cooperativas.

 

No nosso encontro, várias pessoas conhecidas entraram na sala da dona Ana e, quando viam que Maria estava ali, o sorriso no rosto ficava nítido e a conversa tinha que ser interrompida para um beijo e um abraço. “Faz mais de um ano que não venho aqui, todo mundo me conhece”.

 

Uma volta pela Cooperativa depois de finalizarmos a entrevista foi inevitável. Em muitos momentos procurei por ela e não conseguia achar porque Maria estava sempre em algum cantinho conversando com alguém e colocando o papo em dia.

 

Não teve como não perceber o quanto os cooperados admiravam e se inspiravam em Maria da Penha. Uma mulher guerreira, persistente na luta por seus ideais e que bate de frente quem precisar para conquistar os seus objetivos. Não é à toa que os colegas a chamem de “Lei Maria da Penha”. Maria é forte, poderosa e corajosa assim como essa lei. Saí da Coopercata envolvida por toda a história daquelas pessoas e principalmente inspirados por histórias como a de Maria.

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