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O DINHEIRO QUE VEM DO LIXO

Catadores e catadoras de material reciclável lutam há mais de 30 anos por reconhecimento
GIOVANA ALVES
CIBELE GARCIA

GIOVANA ALVES

Fotos: Giovana Alves

catadores
Coopercata, em Mauá (SP)

A cooperativa de catadores de materiais recicláveis de Mauá, Coopercata, está entre as muitas do Brasil que esperam reconhecimento e remuneração adequada pelos serviços prestados às prefeituras. A presidente da organização, Ana Maria de Oliveira, 54, é uma das catadoras que reivindica o fim da invisibilidade da sua atividade.

“O trabalho que fazemos é importantíssimo no que diz respeito ao meio ambiente. As prefeituras deixam de gastar com aterros e lixões por conta dos nossos serviços, mas continuamos no anonimato”, conta.

 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos brasileira, criada em 2010, é uma das únicas no mundo que prevê a integração do catador na gestão dos materiais. A lei dá prioridade às cooperativas na coleta seletiva da cidade, por meio de contratos e remuneração oferecidos pelo poder público, mas nem sempre o processo acontece como diz a regra. “É um direito nosso sendo negado”, afirma Ana Maria.

Ana Maria de Oliveira, catadora há mais de 20 anos e atual presidente da única cooperativa de Mauá

Considerando que o país recicla apenas 3% de um potencial de 30%, a coleta seletiva que existe é muito tímida. Dos 76 milhões de toneladas de lixo produzidas anualmente, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), boa parte poderia ter um destino mais adequado com a participação das cooperativas.

 

A pesquisa anual sobre coleta seletiva do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE) mostra que apenas 1055 municípios, dos 5570 que existem no Brasil, possuem programas de coleta seletiva ativos em 2016. E apesar de 44% das prefeituras incentivarem cooperativas, em 67% dos casos, a gestão de resíduos sólidos é feita por empresas particulares.

Artes: Cibele Garcia

Quem são os catadores?

 

O número de pessoas que vive da catação de resíduos sólidos chega a 400 mil, segundo dados de 2010 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ou cerca de um milhão, para o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).

 

A atividade é alternativa para muitas famílias que enfrentam o desemprego e a pobreza. “É um trabalho que surge da necessidade, como um bico, mas que se oficializa com o tempo”, explica Ana Maria. O IPEA mostra 1,5 milhões de pessoas dependentes da renda de catadores no Brasil.

Se por um lado as estatísticas escancaram a situação da desigualdade no país, por outro mostram que o catador não se encaixa mais no estereótipo de mendigo. Menos de 25% destes profissionais completou o ensino fundamental e mais de 65% são negros, porém 38,6% possui registro em carteira de trabalho e 15% contribui com a previdência.

“É um trabalho que surge da necessidade, como um bico, mas que se oficializa com o tempo.”

Eduardo de Paula, coordenador do MNCR, começou na profissão por acaso. Sem dinheiro para comer, ele decidiu seguir vizinhos que saíam todos os dias para trabalhar em um local desconhecido. “Foi assim que cheguei à Coopamare, a primeira organização de catadores do Brasil. Metade da minha vida eu passei debaixo desse viaduto.”

A Coopamare, localizada no bairro Pinheiros, em São Paulo

Foi com a renda média de R$500 da catação que Eduardo sustentou os quatro filhos e hoje ajuda a criar os seis netos. Além disso, os mais de 20 anos no movimento de catadores despertaram uma nova conscientização. “Defendemos a reciclagem popular, a autogestão e a não privatização. Acreditamos que as pessoas comuns podem reciclar, e nós somos parte disso.”

 

A reciclagem a favor da economia e do meio ambiente

 

O Brasil perde em torno de R$ 8 bilhões com gastos do meio ambiente e produção de novos materiais todo ano, segundo o IPEA.

Além disso, a Política Nacional determinou que todos os lixões do país fossem exterminados até agosto de 2014. A meta não foi atingida e, na data, 60% das cidades não estavam de acordo com a lei. O problema maior é que o descarte de resíduos sólidos em lixões é considerado crime ambiental desde 1998.

Imagem: Reprodução / Além do Lixo

A premissa para acabar com os lixões seria produzir menos lixo. “O ideal é que as pessoas consumam menos resíduos e façam a separação de materiais nas suas próprias casas. Mas o Brasil ainda engatinha nessas questões”, explica Giulliana Mondelli, engenheira ambiental e urbana.

 

Exatamente por esse cenário, a união com os catadores seria benéfica no aspecto econômico, social e ambiental. “Analisando a situação específica do Brasil, é um meio que melhoraria as coisas a curto prazo, mas existem interesses privados dos lixões e aterros”, detalha Giulliana.

A engenheira ambiental também atribui as dificuldades à pouca importância que a pasta do meio ambiente tem. “O investimento dos municípios para saneamento é baixo, não existem muitos especialistas para viabilizar uma gestão apropriada.”

“O investimento dos municípios para saneamento é baixo, não existem muitos especialistas para viabilizar uma gestão apropriada.”

 

Próximos anos

 

O desgaste dos catadores com o poder público já vem desde a gestão Dilma Rousseff, conforme ressalta o técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoriade Estudos Regionais, Urbanos e Ambientais (Dirur) do Ipea, Albino Alvarez.

 

“Eu diria que, no geral, a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi um fracasso, mas teve conquistas no aspecto dos catadores. As expectativas com o novo governo não são piores ou melhores, nada mudou por enquanto”, afirmou Alvarez.

 

Segundo ele, existia uma simpatia maior da gestão PT em relação aos movimentos sociais, mas nada que não possa ser negociado com o atual governo de Michel Temer. “O que se espera é uma revisão da lei de resíduos, que em seis anos avançou muito pouco. Dentro disso, também é necessário repensar a participação dos catadores.”

 

O técnico do IPEA defende que não é possível basear toda uma política no problema social deste grupo. “Em algumas cidades, como São Paulo, as cooperativas de catadores não dariam conta de todo o lixo. Existe um confronto de posição social e técnica.”

 

O confronto vem de questões polêmicas, como a utilização de incineradores para se livrar das altas quantidades de lixo. De um lado, o Movimento Nacional de Catadores se posiciona totalmente contra a prática que libera substâncias tóxicas. Do outro, os incineradores podem significar um alívio para as cidades. “Não é o descarte ideal, mas em municípios com muito lixo, é sim uma saída”, contrapõe Alvarez.

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