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UM TIRO PELA CULATRA

CAÍQUE ALENCAR
MATHEUS ANGIOLETO

Foto: Lula Marques / AGPT

Fotos: Giovana Alves

Dilma em ato a favor da democracia no teatro dos bancários, em Brasília

Dia 27 de outubro 2002. Um torneiro mecânico, ex-retirante pernambucano, vence as eleições para a presidência da República. A margem é grande. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a vitória veio com o apoio de cerca de 53 milhões de pessoas, o correspondente a 61% dos votos válidos. Foi a primeira vez que um civil sem ensino superior ocuparia o cargo de líder do Executivo federal.

À época com 57 anos, o reflexo dos discursos para milhares de trabalhadores em em assembleias nas portas de automobilísticas já havia começado a dar as caras há algum tempo. A típica rouquidão de Luiz Inácio Lula da Silva havia se tornado mais intensa e os fios grisalhos começavam a tomar conta da cabeleira do sindicalista.

 

Desde a criação do PT, há 22 anos, a sigla amargurou três derrotas consecutivas no pleito presidencial. A primeira foi para Fernando Collor de Mello (PRB), em 1989, enquanto as outras duas foram para o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, candidato pelo PSDB em 1994 e 1998.

 

Em janeiro de 2003, no entanto, o mesmo adversário que o vencera quatro anos atrás agora passava a faixa presidencial para Lula, que desbancou o pleiteante apoiado pela situação e ex-ministro da Saúde. O então Senador pelo Estado de São Paulo José Serra, também do PSDB.

 

Com a eleição de Lula, a perspectiva que o Brasil tinha era de que uma política de coalizão de fato seria implantada. Mas ao contrário do que se imaginava, a bagagem de um legítimo negociador sindical do ex-metalúrgico fez com que o presidente conciliasse interesses de classes completamente antagônicas.

 

Esse perfil ficou mais evidente sobretudo após a publicação da Carta ao Povo Brasileiro, em junho de 2002, com a qual ficou clara a intenção de Lula em acalmar o mercado financeiro com base no tripé constituído pelo câmbio flutuante, por metas de superávit fiscal primário e pelo regime de metas da inflação. “Eu entendia esse movimento como uma possibilidade de mudança. Muitos brasileiros que votaram no Lula, votaram nessa perspectiva”, diz a professora de rede infantil Cláudia de Nardi.

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Petista de longa data, nos anos 80, década em que o PT foi criado, Cláudia trabalhava no posto bancário da Mercedes-Benz, em São Bernardo. Embora não se considere uma militante, nessa época a docente sempre esteve envolvida com movimentos grevistas. “Era só policial me pegando pelo pescoço. Eu tinha um medo lascado, mas nós saiamos da nossa agência para ir fazer piquete em outra.”

Foto: Alberto Muryan

Funcionários se reúnem por melhores condições trabalhistas (Foto: ABC de Luta)

Funcionários se reúnem por melhores condições trabalhistas

O único movimento mais voltado para a política que Cláudia costumava frequentar eram os festivais de 1º de maio, na Praça da Matriz, em São Bernardo, onde comemorava o Dia do Trabalhador junto com membros do PT e da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

 

O cenário de demissões e muitos cortes de vagas, entretanto, fez com que Cláudia decidisse ir de vez para o campo do magistério e cursar Pedagogia. E foi a partir de então que a professora teve mais contato com a realidade comunitária, ainda 

Hoje a professora explica que as condições de vida de grande parte da população brasileira mudaram bastante.

Ela reconhece que houve uma ascensão social de setores mais desfavorecidos da sociedade, mas, para Cláudia, o que falta nesse caso são políticas de continuidade, por meio das quais as siglas deixem interesses partidários e pessoais de lado e pensem mais na população. “Meu marido até costuma falar que eu virei coxinha”, brinca a professora, que é casada com o advogado sindical Dárison Viana.

Greve de trabalhadores na Praça da Matriz, em São Bernardo 

mais nas creches municipais de Santo André, onde começou a atuar em 1992.

Segundo o especialista em Opinião Pública, Mídia e Estratégias de Comunicação Política pelo IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), Marcos Soares, essa falta de cotinuidade foi um dos principais fatores que causou a derrocada não só do PT, mas também a falta de confiança da população na classe política, abrangendo todos os partidos.

 

A falta de confiança pode ser observada nos altos índices de votos brancos, nulos e abstenções observados nas eleições municipais, no último dia 2 de outubro. Em São Paulo, o percentual de eleitores que compareceu às urnas, mas não escolheu nenhum dos pleiteantes foi de 21,84%, enquanto os votos nulos somaram 11,35%, de acordo com os dados disponíveis na página do TSE. Por isso Soares cita um recorte da Zona Leste da capital paulista, onde somente o índice de abstenção da região chegou a 40%, um recorde histórico.

 

No caso do PT, todavia, o pesquisador analisa o fenômeno muito mais como uma queda do eleitorado potencialmente petista do que como o avanço de uma onda mais conservadora. “Desde 2014, pelo menos, a gente vê sistematicamente um discurso reproduzido pelos grandes veículos de comunicação voltado para o PT, envolvido em casos de corrupção, mas que também desqualifica a política. É a política vista como um ato suspeito, criminoso”, explica Soares.

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Em 1981, Dárison tinha 17 anos e acabava de começar sua trajetória entrando na Faculdade de Direito de São Bernardo. A advocacia sindical e o interesse por política, entretanto, só seriam motivados pelo 1º Conclat (Congresso Nacional da Classe Trabalhadora), em 1983. O movimento deu origem à CUT e aconteceu ali perto, no galpão da companhia cinematográfica Vera Cruz.

Para o advogado, os oito anos de governo Lula com a economia ascendente foram atropelados pelo aumento do desemprego, que leva ao discurso da autoproteção. “Quem faz esse discurso não é a esquerda, porque ela é inclusiva. A análise é econômica e o político se aproveitou da queda para tirar a Dilma do poder”, destaca.

 

A massa de informações e o ataque midiático sofrido pelo Partido dos Trabalhadores é tratado com certa tranquilidade pelo advogado. “Houve problemas, mas eu não acho que essa derrota que vendem é tudo isso. O momento é para reflexão e o PT não acabou”, relata.

 

Dárison pensa que as eleições refletem o mundo em que vivemos, um mundo à direita. Além disso, a fotografia do momento histórico em que o pleito ocorreu trouxe à tona o descontentamento da população com a política. Ter mais votos brancos, nulos e abstenções do que a quantidade de votos com a qual o prefeito foi eleito. “O que talvez a população queira dizer é que esse projeto de política não interessa”, destaca.

 

De acordo com o cientista político do Instituto Opinião e Pesquisa, Nilton Tristão, desde o início o PT teve um projeto político que apontava para o “mau agouro” do partido da atualidade.

 

Quando a sigla chegou ao poder com Lula, o ex-presidente trouxe um projeto de retirar uma parcela da sociedade da linha pobreza absoluta. “Se a gente for lembrar, na primeira campanha a principal bandeira do Lula era o Fome Zero. Você não podia ter, em um país como o Brasil, pessoas que ainda passassem fome”, afirma o cientista político.

 

Na visão de Tristão, o aumento do preço das commodities dentro desse período foi um dos principais fatores que permitiu que a economia se posicionasse dessa forma, com uma política voltada para o mercado interno e pela circulação de capital dentro dos limites brasileiros.

 

“O que houve foi um crescimento artificial das variantes e vertentes econômicas. O PT promoveu políticas voltadas à incorporação de indivíduos que estavam fora do mercado consumidor, mas não conseguiu gerar de forma perene um fluxo de capital que desce substância para que o projeto não retroagisse. Nós esgotamos um modelo econômico que se baseia na economia doméstica”, explica.

 

Hoje, Tristão avalia que a principal decepção da classe trabalhadora com o PT é que foi o próprio setor que pagou o preço por isso. “Para essas pessoas não houve consistência efetiva na incorporação de ganhos.” Na opinião do cientista político, foi isso que trouxe a população às ruas.

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Desde a redemocratização, em 1985, a população brasileira nunca havia saído às ruas como nas jornadas de junho de 2013. No início das manifestações, a principal demanda era a melhora das condições do transporte coletivo, tendo como principal bandeira a revogação do aumento da tarifa de ônibus, que passara de R$ 3 para R$ 3,20.

Foto: Hélio Campos Mello

Descrito pelos seus idealizadores como um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, o MPL (Movimento Passe Livre) foi o principal grupo organizador dos atos, que tomaram as ruas de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.

 

No início das manifestações, o grupo formado em sua maioria por jovens estudantes concatenou pautas de diversos setores, mas com o passar dos dias houve uma série de disputas nos cartazes empunhados e brados vociferados pela massa, além da própria guerra de interpretações das demandas reivindicadas.

 

Após duas semanas de protestos pelo país, São Paulo e Rio de Janeiro anunciaram a revogação do aumento das passagens. Com a decisão, o MPL saiu de cena e as manifestações se tornaram ainda mais plurais.

 

 

Na agenda dos manifestantes surgiram reivindicações contra a realização de megaeventos como a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, além de mais investimentos em Educação, Saúde, o estabelecimento da corrupção como crime hediondo e a exigência do arquivamento da PEC 37, que limitava o poder de investigação do Ministério Público.

 

 

Antes vistas como marchas de descontentamento geral, as jornadas de junho de 2013, nas palavras cientista político André Singer, se converteram no começo da onda da classe média contra Dilma Rousseff (PT), que iria estourar nas ruas em março de 2015 com as manifestações pró-impeachment. Foi a partir de então que a mandatária iniciaria sua caminhada do céu ao inferno.

Veja o momento que manifestantes chegam à Esplanada dos Ministérios e ocupam o Congresso Nacional:

Protesto tomou conta do Congresso Nacional, em junho de 2013

Arte: Caíque Alencar

Foto: Mídia Ninja

Foto: Mídia Ninja

Foto: Mídia Ninja

Manifestantes em frente ao Palácio dos Bandeirantes, edifício-sede do Governo do Estado de São Paulo

Foto: Daniel Mello/ Agência Brasil

Redução da tarifa de ônibus foi um dos principais motes no início das manifestações

Vídeos: EBC na Rede

Nos 13 anos do PT no poder, as políticas de assistência social fizeram com que famílias saíssem da miséria e a desigualdade no Brasil diminuísse.

 

De acordo com resultados do Censo Demográfico de 2010, a população brasileira cresceu a uma taxa média anual de 1,17% na primeira década do século, totalizando cerca de 190,8 milhões de habitantes. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre os anos de 2003 e 2011, as classes A e B cresceram 69,1%, passando de 13,3 para 22,5 milhões de pessoas, enquanto as classes D e E caíram 34%, de 96,2 para 65,3 milhões.

 

Caracterizada como a classe C e conhecida como a nova classe trabalhadora entre pesquisadores, esse setor saltou de 65,8 milhões de pessoas para 105,4 milhões no mesmo período, resultante das políticas públicas criadas pelo partido.

 

Entre as medidas que beneficiaram essa população estão a manutenção das taxas de inflação em índices relativamente baixos, maior acesso ao crédito, política de valorização do salário mínimo, programas de transferência de renda e aumentos de investimentos públicos, com destaque para as áreas de Infraestrutura e Habitação, que permitiram que famílias historicamente excluídas do mercado consumidor pudessem adquirir seus primeiros bens duráveis.

 

De acordo com dados publicados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o crescimento das vendas do comércio esteve apoiado na forte ampliação do 

crédito, cuja proporção em relação ao PIB praticamente dobrou em 2009 comparado com o início da década, além da expansão da massa salarial. 

O saldo em dezembro de 2009 foi de R$ 1,41 trilhão, o equivalente a 43,7% do PIB contra 24,6% em dezembro de 2003, o maior percentual da história nessa comparação.

Arte: Caíque Alencar

Com eleição de Dilma Rousseff e uma intensa crise econômica que atinge o Brasil, no entanto, um ensaio desenvolvimentista baseado na redução da taxa básica de juros, na concessão de crédito para industrialização por meio do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e em medidas protecionistas como a desvalorização da moeda nacional para fomento do mercado interno não foi bem visto pelas elites econômicas.

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Há quem avalie as atitudes de Dilma tanto como ousadia como ingenuidade. Para Tristão, o governo dela foi calamitoso no sentido de não estabelecer um equilíbrio fiscal no Brasil. “Se existe alguém que destruiu o projeto do PT e colocou a esquerda em um atraso de 30 anos na história da América Latina, essa pessoa foi a Dilma”, diz o cientista político.

Agora Tristão analisa que a esquerda deve pensar que não se deve relegar a lógica da saúde financeira do Estado em nome de uma ideologia ou projeto de poder. “O que as pessoas viram é que não se pode ter uma administração que leve em conta a boa gestão dos recursos públicos. E o PT se descredenciou para isso. O partido pensa a questão pública como uma extensão do projeto de poder e da ideologia deles e a sociedade não quer mais isso.”
Já para Soares, a mandatária nunca foi afeita à atividade política. Ao contrário de Lula, que foi forjado no aspecto de sentar à mesa e discutir até todos saírem satisfeitos, ela não segue essa linha. “A arte de política é isso. Você negocia com seu diferente e cede alguma coisa, desde que o outro lado também ceda e saia minimamente satisfeito.”
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